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Tem filhos menores de 12 anos? Saiba se pode folgar ao fim de semana
Imprensa
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in Dinheiro Vivo
06 nov 2022

Tem filhos menores de 12 anos? Saiba se pode folgar ao fim de semana

Tem filhos menores de 12 anos? Saiba se pode folgar ao fim de semana

Em causa a aplicação do designado "horário flexível", mecanismo que a lei faculta aos trabalhadores com responsabilidades parentais, permitindo-lhes, em cumprimento dos imperativos constitucionais e de proteção na parentalidade, assegurar a conciliação da vida profissional com a vida pessoal e familiar.

O Supremo Tribunal de Justiça determinou, em recente Acórdão de outubro de 2022, que a Primark tinha de permitir a uma sua trabalhadora, com dois filhos, de 10 e 6 anos, fixar as suas folgas ao fim de semana. O caso chegou ao Tribunal Superior através de recurso de revista excecional, depois de duas decisões desfavoráveis à trabalhadora nos Tribunais de primeira e segunda instâncias.

O tema em discussão reconduz-se aos contornos de aplicação do designado "horário flexível", mecanismo que a lei faculta aos trabalhadores com responsabilidades parentais, permitindo-lhes, em cumprimento dos imperativos constitucionais e de proteção na parentalidade, assegurar a conciliação da vida profissional com a vida pessoal e familiar.

Horário flexível: O que é? Como e quando pode ser pedido?

O nosso regime laboral (artigo 56.º do Código do Trabalho) prevê que o trabalhador com filho menor de 12 anos (ou com filho que, independentemente da idade, seja portador de deficiência ou doença crónica e que com ele viva em comunhão de mesa e habitação) tem direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, podendo escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.

Para beneficiar de tal regime, o trabalhador deve requerê-lo ao empregador, por escrito, com a antecedência de 30 dias, contendo, obrigatoriamente, tal pedido: i) a indicação do prazo previsto e ii) declaração da qual conste que o menor vive com o trabalhador em comunhão de mesa e habitação.

Uma vez realizado o pedido, a entidade empregadora só poderá recusá-lo com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa ou na impossibilidade de substituir o trabalhador, se este for indispensável.

A decisão do empregador tem de ser comunicada por escrito ao trabalhador, num prazo máximo de 20 dias, sob pena de, não o fazendo, se considerar que o aceitou nos seus precisos termos.

Na eventualidade de pretender recusar o pedido, a empresa sempre terá de fundamentar devidamente a sua intenção, remetendo, necessariamente, o processo para apreciação pela entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres (CITE), a quem compete emitir parecer (vinculativo) sobre a aplicabilidade da figura.

Se o parecer da CITE for favorável à pretensão do trabalhador, o empregador só poderá recusar o pedido de horário flexível depois de, recorrendo ao Tribunal, obter decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo para a não aplicação do regime.

Pode o trabalhador com horário flexível fixar os seus dias de descanso semanal?

A questão da abrangência do conceito de horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares não é nova, sendo colocada, por diversas vezes, aos Tribunais, que sobre ela se têm pronunciado de modo não coincidente.

Pode o trabalhador abrangido pelo regime definir livremente o seu horário de trabalho? E pode, inclusivamente, fixar os seus dias de descanso semanal? Ou pode apenas, dentro das opções que lhe são facultadas pelo empregador, escolher as horas de entrada e saída?

A lei esclarece que é ao empregador a quem compete elaborar o horário de trabalho, indicando "os períodos de início e de termo do período normal de trabalho diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário (...)".

A partir daqui, poder-se-ia concluir que, quando verificados os requisitos legalmente previstos para a aplicação do regime de horário de trabalho flexível, teria, efetivamente, o trabalhador a liberdade de escolher as horas de entrada e saída do trabalho, sendo, porém, as opções necessariamente dadas pelo empregador.

Foi neste sentido que se pronunciou já o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão proferido em 2016, onde se decidiu que "Se o trabalhador pretender exercer esse direito, é ainda ao empregador que cabe fixar o horário de trabalho (art.º 56.º n.º 3 corpo), mas deve fazê-lo dentro dos parâmetros fixados pela lei (art.º 56.º n.º 3, alíneas a), b) e c) e n.º 4)." O que não acontece se pretende o trabalhador "estabelecer os limites dentro do qual pretende exercer o seu direito", não lhe cabendo determinar os dias em que pretende trabalhar, já que o horário flexível diz respeito aos limites diários.

E foi também este o entendimento perfilhado, no caso em análise, pelo Tribunal de primeira instância e pelo Tribunal da Relação.

A trabalhadora da Primark, que estava sujeita a um regime de turnos e folgas rotativas, dirigiu à empresa o seguinte pedido: "Tenho 2 filhos menores de 12 anos, o mais crescido com 10 anos e a mais nova com apenas 6 meses. O meu marido trabalha por turnos em semanas alternadas e fins de semana. A creche da minha filha funciona de 2.ª F a 6.ª F das 7horas às 18h30. Por estes motivos que dou a conhecer venho solicitar a V. Exa a fixação das minhas folgas semanais rotativas para o sábado e domingo."

A empresa decidiu não aceitar a fixação, pela trabalhadora, dos dias de descanso semanal, argumentando que o regime de horário flexível não compreende a escolha dos dias de descanso.

Comunicada a intenção de recusa à CITE, foi emitido parecer desfavorável à posição da Primark, motivo pelo qual avançou a empresa com a propositura de ação em tribunal.

O Tribunal de primeira instância julgou procedente a pretensão da Primark, entendendo que, não obstante a aplicabilidade do regime de horário flexível, a trabalhadora não tinha o direito a escolher os seus dias de descanso semanais, devendo trabalhar em qualquer dia da semana que a empresa indicasse.

A trabalhadora interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa confirmado a sentença da primeira instância.

Veio, porém, o Supremo Tribunal de Justiça revogar tal decisão, sufragando o entendimento de que a trabalhadora podia fixar as suas folgas ao fim de semana, uma vez que a lei "não exclui a inclusão do descanso semanal, incluindo o sábado e o domingo, no regime de flexibilidade do horário de trabalho, a pedido do trabalhador com responsabilidades familiares".

E fê-lo à semelhança do que, aliás, havia já decidido em dois recentes acórdãos, de março e junho do presente ano. Tem entendido o Supremo Tribunal que só assim se consegue o desiderato da conciliação entre atividade profissional e vida familiar, consagrado em dois preceitos da Constituição da República Portuguesa.

Sem deixar, porém, de sublinhar o Tribunal que a sobreposição de tais direitos de ordem e interesse públicos não tem natureza absoluta, dado que o empregador pode, nos termos previstos na legislação laboral, justificar porque é que a empresa não tem condições de aceitar o pedido de um determinado trabalhador, inclusive com certos dias de descanso semanal.

No caso em apreço, tal não sucedeu. Não invocou a Primark qualquer facto que i) impossibilitasse o normal funcionamento da loja, nem a ii) impossibilidade de substituir a trabalhadora por ser indispensável.