Enquadramento e Objectivos do Regulamento MiCA
O Regulamento (UE) 2023/114, conhecido como MiCA ("Markets in Crypto-Assets Regulation"), foi aprovado em 31 de Maio de 2023 e entrou em vigor em 30 de Dezembro de 2024.
Este diploma introduz, pela primeira vez, um regime harmonizado a nível da União Europeia para os mercados de criptoactivos, visando preencher lacunas existentes e promover a segurança jurídica, a protecção dos investidores e a inovação responsável.
Antes do MiCA, a regulação de criptoactivos estava limitada a instrumentos financeiros específicos, deixando à margem um vasto conjunto de activos digitais. Assim, o MiCA estabelece normas uniformes aplicáveis à emissão, oferta pública e prestação de serviços relacionados com criptoactivos, contribuindo para a estabilidade do sistema financeiro e a prevenção de práticas abusivas.
Os criptoactivos são definidos pelo regulamento como representações digitais de valor ou direitos que podem ser transferidos e armazenados electronicamente, recorrendo a tecnologias de registo distribuído (vulgo blockchain).
Principais Alterações Introduzidas pelo Regulamento MiCA
O MiCA implementa mudanças estruturais que impactam todas as fases de interacção com os criptoactivos, desde a emissão à intermediação e negociação. Destacam-se os seguintes aspectos:
a. Tipologia de Criptoactivos
O regulamento organiza os criptoactivos em três categorias principais:
b. Requisitos de Transparência e Divulgação
Os emitentes de criptoactivos devem publicar livretos detalhados, que incluam todas as informações relevantes sobre os activos emitidos, garantindo que os investidores estejam plenamente informados. Adicionalmente, obriga-se à adopção de comunicações claras, que não induzam em erro.
c. Autorização e Supervisão dos Prestadores de Serviços de Criptoactivo
A prestação de serviços relacionados com criptoactivos passa a depender de autorização prévia por parte da autoridade competente designada pelo Estado-Membro. Em Portugal, a autoridade supervisora ainda não foi formalmente definida, criando incerteza jurídica temporária para os operadores.
Os prestadores de serviços devem observar normas rigorosas de governação, organização interna e requisitos de fundos próprios, para assegurar a sua resiliência e integridade.
d. Protecção dos Investidores e Prevenção de Abusos
O regulamento introduz salvaguardas contra práticas abusivas, como o uso de informação privilegiada e a manipulação de mercado. As entidades devem implementar mecanismos robustos para proteger os activos e fundos dos clientes, garantindo a separação patrimonial e a conformidade com normas de combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo.
e. Período Transitório e Regras de AdaptaçãoAs entidades que já operavam em conformidade com a legislação nacional vigente podem continuar a exercer a sua actividade até 1 de Julho de 2026, desde que observem os requisitos estabelecidos pelo MiCA ou obtenham autorização antes desse prazo. No entanto, os Estados-Membros mantêm discricionariedade para reduzir ou eliminar o período transitório, caso considerem o seu quadro regulatório menos rigoroso que o europeu.
f. Supervisão Transfronteiriça
O regulamento facilita a prestação de serviços de criptoactivos em diferentes Estados-Membros, desde que previamente comunicados à autoridade competente no Estado de origem, promovendo a integração do mercado interno.
Conclusão e Próximos Passos
A entrada em vigor do Regulamento MiCA representa um marco jurídico de grande relevância para os mercados de criptoactivos na União Europeia, mas também impõe desafios significativos para os prestadores de serviços e investidores, especialmente em jurisdições onde as normas nacionais de execução ainda não foram definidas, como é o caso de Portugal.
Próximos Passos:
Este novo quadro de regulação abrangente, que reforça a confiança no mercado de criptoactivos ao estabelecer normas claras para a protecção dos investidores, a transparência das operações e a prevenção de abusos. Apesar das incertezas iniciais, o regulamento oferece uma base sólida para a inovação sustentável e a expansão segura deste sector, trazendo alguma sensação de certeza jurídica, já há muito desejada pelos operadores do mercado.
Prevê-se, num horizonte próximo, a aprovação de legislação nacional que assegure a conformidade dos agentes do mercado com o quadro regulamentar europeu, o qual já contempla Regulamentos Delegados, Normas Técnicas Regulamentares e Orientações emitidas pela Autoridade Bancária Europeia e pela Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados.