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Presunção de laboralidade nas plataformas digitais. O que significa?
Imprensa
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in Dinheiro Vivo
17 mar 2023

Presunção de laboralidade nas plataformas digitais. O que significa?

Presunção de laboralidade nas plataformas digitais. O que significa?

As alterações potenciadas pela inovação tecnológica têm vindo a criar múltiplos novos desafios, com incontestáveis repercussões no plano das relações laborais, das condições de trabalho e da própria proteção social.

Os desenvolvimentos na tecnologia da informação e comunicação - com especial destaque para a expansão das plataformas digitais, o desenvolvimento da inteligência artificial, da robótica e da automação - não levaram apenas à verificação de mudanças nas relações de trabalho tradicionais, mas também ao surgimento de novas formas de emprego, situadas numa "zona cinzenta" entre a relação laboral subordinada e o trabalho independente.

Assume especial relevância, neste contexto, o já conhecido crowdworking, que, em termos muito simples, se traduz no seguinte: o trabalho (que pode variar desde serviços de transporte e limpeza a tarefas de transcrição digital ou de programação) é oferecido a um grande número de pessoas por meio de uma plataforma digital.

Se, por um lado, se reconhecem as vantagens inerentes a esta nova forma de prestação de trabalho (nomeadamente, a emergência de novas oportunidades de trabalho e de integração), por outro, são inegáveis os múltiplos riscos que se lhe associam. Falamos, entre outros, de uma maior precariedade das relações, de desigualdades no acesso a proteção social ou outros direitos, como a formação profissional, condições de higiene, segurança e saúde, e de uma instabilidade de rendimentos e do próprio emprego.

Tornou-se, por isso, evidente a necessidade de regulamentação sobre o tema, sendo neste contexto que se ergue a (tão debatida) questão da qualificação do vínculo contratual dos prestadores de atividade em plataformas digitais. Serão trabalhadores subordinados? Serão prestadores de serviços? Ou estaremos perante uma figura intermédia?

A discussão sobre a matéria, à escala mundial, deu já origem a várias e distintas decisões judiciais. Sendo que, no plano europeu, no que especialmente respeita às plataformas de entrega e de transporte, a grande parte das decisões dos tribunais superiores foram no sentido da efetiva existência de contratos de trabalho.

Na linha da Proposta de Diretiva Europeia, intitulada Improving working conditions in platform work, e das preocupações já refletidas no Livro Verde Sobre o Futuro do Trabalho, com as recentes alterações à legislação laboral portuguesa (no âmbito da Agenda do Trabalho Digno), vem prever-se a criação de uma presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital, reconhecendo-se que a presunção de laboralidade (já prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho) se refere a um modelo clássico, tradicional - pré-(r)evolução tecnológica - de organização e prestação do trabalho.

De acordo com o texto final da proposta de alteração ao Código do Trabalho, vem, concretamente, presumir-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital, se verifiquem algumas das características expressamente previstas no n.º 1 do (a aditar ao Código do Trabalho) artigo 12º-A - entre outras, relacionadas com a fixação da retribuição, poder de direção, controlo e supervisão, organização do trabalho e poder disciplinar da plataforma digital.

Sublinhe-se que a presunção (conforme prevista no n.º 1 do artigo 12.º-A) é estabelecida entre a plataforma digital e o prestador de atividade que nela opera (diferentemente do que constava da versão inicial da proposta de alteração ao Código do Trabalho). A plataforma poderá, no entanto, procurar afastar a presunção, invocando que a atividade é prestada perante o intermediário - caso em que caberá ao Tribunal definir quem é o empregador.

Ficou também definido (na sequência da discussão sobre o tema) que esta nova presunção de laboralidade se aplicará às atividades relativas de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica (TVDE), cujo regime se encontra previsto na Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto (que carecerá, certamente, de ser revista).


Qual o efeito prático do regime agora previsto?

A presunção de laboralidade, assente no preenchimento de alguns dos indícios identificados, permite, no fundo, evitar a dificuldade/risco da insuficiência na demonstração da existência de um contrato de trabalho. Pode, no entanto, ser a presunção ilidida pela plataforma digital, mediante prova em contrário.

Nos casos em que se considere existir contrato de trabalho, aplicar-se-ão as normas previstas no Código do Trabalho que sejam compatíveis com a natureza da atividade desempenhada pelos prestadores de atividade em plataformas digitais, nomeadamente o disposto em matéria de acidentes de trabalho, cessação do contrato, proibição do despedimento sem justa causa, remuneração mínima, férias, limites do período normal de trabalho, igualdade e não discriminação.