O recurso massivo ao regime do teletrabalho durante o período pandémico lançou luz sobre o problema da disponibilidade e conectividade permanente dos trabalhadores, abrindo caminho para que ganhasse expressão o debate em torno do já conhecido “direito à desconexão”.
Reconhecidas as iniciativas adotadas noutros ordenamentos jurídicos (por exemplo, francês, belga, italiano e espanhol), debateu-se, durante algum tempo, se, na legislação laboral portuguesa, estava já ou não consagrado um verdadeiro “direito a desligar”.
O tema veio a merecer a atenção do nosso legislador em finais de 2021, passando a prever-se, no nosso Código do Trabalho, que “o empregador tem o dever de se abster de contactar o trabalhador no período de descanso”.
A previsão deste dever surge no contexto de uma alteração ao regime do teletrabalho, mas, sublinha-se, não se destina em exclusivo às situações em que em causa está este modelo de prestação de trabalho.
Pode, assim, afirmar-se que a legislação laboral portuguesa consagra hoje, e desde janeiro de 2022,um dever geral de abstenção de contacto do trabalhador durante os seus períodos de descanso (isto é, que não sejam tempo de trabalho), o que abrange fins de semana, férias, períodos de licenças, entre outros.
Trocado por miúdos, e ressalvadas as situações justificadas por motivos de força maior, o empregador deve abster-se de contactar os seus trabalhadores que estejam em período de descanso, seja por via de correio eletrónico, telemóvel ou pessoalmente.
Tratando-se de um dever que recai sobre o empregador, sendo deste lado que se posiciona a tónica, sugere-se que as empresas assumam a iniciativa de introduzir mecanismos internos de sensibilização para o tema. O que pode passar, por exemplo, pela integração deste direito nos respetivos regulamentos internos e/ou pela inclusão de disclaimers no envio de emails ou mensagens com a referência de que não é expectável uma resposta fora do período de trabalho.
E se o empregador não cumprir o dever de abstenção a que está obrigado?
Desde logo, e salvo casos de força maior, se o trabalhador for contactado pelo empregador durante os seus períodos de descanso, não é obrigado a responder, sendo que de tal ausência de resposta não pode advir qualquer consequência, nomeadamente disciplinar.
A lei reforça, a este propósito, que constitui ação discriminatória qualquer tratamento menos favorável dado ao trabalhador (por exemplo, em matéria de condições de trabalho e de progressão na carreira) pelo facto de este exercer o direito à desconexão.
Por outro lado, o trabalhador pode sempre comunicar a situação à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), requerendo a sua intervenção. A verificar-se o não cumprimento do dever de abstenção de contacto, tal constitui contraordenação grave, ficando o empregador sujeito à aplicação de coima.
Pese embora se reconheça que os efeitos práticos desta previsão legal não são ainda tão palpáveis quanto expectável, o tema não tem passado despercebido à autoridade fiscalizadora, tendo já sido identificadas situações de incumprimento.