Havíamos já indicado que, em 30 de dezembro do ano transato, tinha sido publicado o Decreto-Lei n.º 117/2024 que introduzia alterações significativas no Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT).
Em traços gerais e relembrando o já desenvolvido, o referido Diploma, que encontrava sua fundamentação (pelo menos no entendimento do Presidente da República) na urgência da utilização dos fundos europeus e no fomento da construção para fins habitacionais, procedia à criação do conceito de habitação a valor moderado e a possibilidade de reclassificação para solo urbano com finalidade habitacional e usos complementares, desde que cumpridos determinados pressupostos.
Volvidos quase quatro meses, surge uma alteração ao referido Diploma, introduzida pela Lei n.º 53-A/2024, de 9 de abril, pelo que, se impõe indicar as principais mudanças:
A possibilidade de proceder à reclassificação do solo rústico para solo urbano, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30 de dezembro, dependia, entre outros, da afetação de, pelo menos, 70% da área total de construção acima do solo a habitação pública ou habitação de valor moderado.
A habitação a valor moderado correspondia àquela em que o valor por m2 da área bruta privativa não excede o valor da mediana de preço por de venda por m2 de habitação para o território nacional.
Pois bem, o conceito vindo de mencionar apenas vigorou durante pouco mais do que três meses, tendo sido eliminado com a Lei n.º 53-A/2025, de 9 de abril.
Com a eliminação do conceito de habitação a valor moderado, procedeu-se ao alargamento do tipo de habitações que podem integrar os 70% exigidos para a reclassificação do solo.
A par da habitação publica, contemplada já na alteração de dezembro do ano transato, surge a possibilidade de 70% da área total de construção acima do solo se destinar a arrendamento acessível, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 68/2019, de 22 de maio, ou a habitação a custos controlados, em apelo ao preceituado na Portaria n.º 65/2019, de 19 de fevereiro.
A redação inicial da alteração introduzida ao n.º 1 do artigo 72.º-B do RJIGT previa que os Municípios podiam determinar a reclassificação para solo urbano “sempre que a finalidade seja habitacional ou conexa à finalidade habitacional e usos complementares”. Porém, não desenvolvia o conceito de usos complementares, permitindo, portanto, diversas interpretações.
Assim, clarificou-se que se consideram como usos complementares “todas as funcionalidades em relação de dependência ou de complementaridade com a finalidade de habitação, não podendo ser com ela conflituantes”.
Para que fosse possível a proclamada edificação em solos rústicos, exigia-se o preenchimento cumulativo dos seguintes pressupostos:
Ora, o único pressuposto que se manteve inalterado corresponde à necessidade de ser delimitada e desenvolvida uma unidade de execução.
Relativamente ao pressuposto vertido no ponto 1., impõe-se, atualmente, que seja assegurada a contiguidade com o solo urbano, assegurando-se a consolidação e coerência da urbanização a desenvolver com a área urbana existentes.
Eliminou-se, ainda, a necessidade de existirem ou serem garantidos os equipamentos de utilização coletiva e os espaços verdes adequados para cobrir as necessidades decorrentes dos novos usos
Por fim, apenas se exige a compatibilidade com a estratégia local de habitação, carta municipal ou bolsa de habitação “quando exista”.
Como é consabido, desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio que se exige à Administração que contemple, nos planos municipais e intermunicipais, as regras de classificação e qualificação previstas no referido diploma.
Esta obrigação, que deveria ter sido assegurada no prazo de cinco anos a contar da data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, tinha vindo a ser sucessivamente prorrogada, originando que diversos Municípios, até à presente data, não tenham vertido nos seus planos tais regras.
Com vista a forçar a Administração a prever tais regras nos seus planos, havia sido determinado que o incumprimento por facto imputável àquela implicava a suspensão do direito de candidatura a apoios financeiros comunitários e nacionais que não fossem relativos à saúde, educação, habitação ou apoio social.
O Decreto-Lei n.º 117/2024 eliminou a possibilidade de suspensão do direito de candidatura a tais apoios e determinou que ficavam automaticamente suspensas, até à inclusão das regras de classificação e qualificação, as normas relativas às áreas urbanizáveis ou de urbanização programada, não podendo, nessa área, haver lugar à prática de quaisquer atos ou operações que implicassem a ocupação, uso e transformação do solo.
Considerando as divergências que surgiram na interpretação do presente regime, optou o legislador por clarificar que a suspensão vinda de referir não era automática, devendo ser decretada pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) territorialmente competente.
O Diploma em crise previu que as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30 de dezembro, apenas irão vigorar durante quatro anos a partir da data da respetiva produção de efeitos, ou seja, desde 31 de dezembro de 2024.
Não obstante, acautelou-se a possibilidade de ser prorrogado o prazo vindo de mencionar, sendo que tal prorrogação é precedida da apresentação e discussão na Assembleia da República, pelo Governo, de um relatório da aplicação do presente Diploma, que sustente a decisão.