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Jornada contínua para trabalhadores: pode ser recusada?
Imprensa
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in Dinheiro Vivo
22 set 2023

Jornada contínua para trabalhadores: pode ser recusada?

Jornada contínua para trabalhadores: pode ser recusada?

O regime de jornada contínua, previsto na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), consiste, como a própria designação indica, na prestação ininterrupta de trabalho. Saiba qual o enquadramento legal.

 

O que é o regime de jornada contínua?

Trata-se de uma prestação continuada de atividade, com exceção de um período de descanso, nunca superior a 30 minutos, que, para todos os efeitos, se considera tempo de trabalho.

A jornada contínua deve ocupar, predominantemente, um dos períodos do dia (manhã ou tarde) e determinar uma redução do período normal de trabalho diário nunca superior a uma hora. Por outro lado, o tempo máximo de trabalho seguido não pode ter uma duração superior a 5 horas.

Veja-se o seguinte exemplo: um trabalhador pode pedir para trabalhar ininterruptamente entre as 09h30 e as 16h00, tendo um período de descanso máximo de 30 minutos, entre as 13h00 e as 13h30, que é considerado tempo de trabalho.

 

Há exceções?

De acordo com o regime legalmente consagrado, a jornada contínua pode ser adotada nos casos de horários específicos previstos na lei e, bem assim, em casos excecionais, desde que devidamente fundamentados. Exemplifica-se, a este propósito, que a jornada contínua pode ser adotada quando esteja em causa trabalhador progenitor com filhos até à idade de 12 anos ou, independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica.

Na prática, várias são as situações em que trabalhadores em funções públicas solicitam que lhes seja atribuído o horário de jornada contínua, com fundamento na existência de responsabilidades familiares, vendo, porém, a sua pretensão rejeitada.

Colocam-se, assim, as seguintes questões:

  1. Pode o empregador recusar o pedido de jornada contínua de trabalhador com filho com idade até 12 anos?
  2. O que pode fazer o trabalhador perante uma decisão de recusa?
  3. E se, realizado o pedido de jornada contínua, o empregador não apresentar qualquer resposta?

Recordamos que o direito à conciliação da atividade profissional com a vida familiar se encontra constitucionalmente consagrado, reforçando, por sua vez, o regime laboral que constitui dever do empregador a elaboração de horários que facilitem ao trabalhador essa conciliação.

 

Tratar-se-á, porém, o regime de jornada contínua de um verdadeiro direito subjetivo do trabalhador com responsabilidades familiares, do qual poderá beneficiar em qualquer circunstância? Ou estará a adoção de tal regime dependente de decisão do empregador?

Apesar da discussão que em torno do tema se tem colocado, vem-se apresentando como maioritária a posição de que a concessão de horário em regime de jornada contínua não constitui um direito do trabalhador, mas, antes, uma faculdade, razão pela qual carece da autorização do empregador público.

Tal entendimento encontra suporte na própria letra da lei, onde se prevê que este tipo de regime "pode" ser adotado nos casos de horários específicos previstos na LTFP e em casos excecionais, devidamente fundamentados (sendo feita uma enumeração exemplificativa, na qual, como já referido, se inclui o caso de trabalhador progenitor com filhos até à idade de 12 anos).

A isto acresce o argumento de que, pese embora o regime de jornada contínua seja considerado um dos instrumentos que pretendem viabilizar a conciliação da atividade profissional com a vida familiar dos trabalhadores, o mesmo não se confunde com os regimes especificamente previstos no âmbito da proteção na parentalidade (constituindo, estes sim, verdadeiros direitos dos trabalhadores com responsabilidades familiares).

A seguir-se tal entendimento, dir-se-á que nem o empregador público está vinculado à concessão da jornada contínua (embora tenha de fundamentar a respetiva recusa, caso ocorra), nem o trabalhador tem qualquer garantia de lhe ser deferido um pedido que formule nesse sentido.

 

E se o empregador recusar?

A adoção de horário em regime de jornada contínua deve, em qualquer caso, ser objeto de ponderação, à luz dos interesses envolvidos. Caso o empregador público recuse a concessão de tal horário a trabalhador progenitor com filhos até à idade de 12 anos, deverá a recusa ser devidamente fundamentada (por exemplo, por causar prejuízos graves ao funcionamento do serviço, prejuízos esses claramente superiores aos que se pretendem acautelar com a modalidade de horário em causa).

Perante a decisão de recusa, o trabalhador que da mesma discorde poderá lançar mão dos meios de tutela administrativa e jurisdicional que a lei coloca ao seu dispor - nomeadamente, e consoante o caso, através de reclamação ou recurso hierárquico, ou, ainda, impugnando judicialmente a decisão (recorrendo aos Tribunais).

 

E se o empregador público não apresentar qualquer resposta ao pedido de jornada contínua? Perante a ausência de decisão, no prazo de 10 dias úteis, poder-se-á considerar que existe deferimento tácito? Isto é, poder-se-á concluir que, perante o silêncio do empregador, o pedido se considera aprovado em sentido favorável ao trabalhador?

Na prática, este entendimento tem vindo a ser considerado com alguma regularidade. No entanto, se ponderado o regime atualmente previsto na lei procedimental administrativa - artigo 130.º do CPA - não nos parece existir fundamento para que possamos acolhê-lo. É o mesmo que dizer que não nos parece existir, de momento, base legal que permita concluir que, em caso de ausência de resposta do empregador, estamos perante um ato tácito de deferimento do pedido de jornada contínua.