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Erro no simulador da ACT tira mais de metade da indemnização por despedimento
Imprensa
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in Dinheiro Vivo
14 jul 2023

Erro no simulador da ACT tira mais de metade da indemnização por despedimento

Erro no simulador da ACT tira mais de metade da indemnização por despedimento

Um funcionário com 38 anos de casa e salário de 1325,5 euros, por exemplo, teria direito a 36 597 euros e não a 15 906. Problema está no cálculo para contratos antigos. Ferramenta deverá estar corrigida hoje, garante a instituição.

Um erro no simulador online da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) pode tirar mais de metade da indemnização por despedimento a que o trabalhador teria direito. Por exemplo, um funcionário com 38 anos de antiguidade e um salário base mensal de 1325,5 euros deveria receber 36 597,05 euros, mas, em vez disso, a ferramenta calcula um valor de 15 906 euros, ou seja, inferior em 56,5%. Fonte oficial da ACT, liderada por Maria Fernanda Campos, revelou ao Dinheiro Vivo que "a falha foi detetada no sábado", contudo, só na quarta-feira, depois do alerta e pedido de esclarecimentos do DV ao Ministério do Trabalho é que o link foi retirado, sendo que o mesmo esteve no site da instituição entre 7 e 12 de julho. A ACT garante que, "entre a noite desta quinta-feira e a madrugada de hoje, o simulador estará corrigido".

A Autoridade para as Condições do Trabalho diz que detetou a falha no sábado, mas só retirou o simulador depois do alerta e do pedido de esclarecimentos do Dinheiro Vivo.

O problema está no cálculo da compensação para contratos antigos, celebrados antes de novembro de 2011, e que estão abrangidos por um regime diferente que permite pagar um mês por cada ano trabalhado até 31 de outubro de 2012, sem o teto, que agora vigora, de 12 vezes o ordenado base, esclareceu ao Dinheiro Vivo o advogado Eduardo Castro Marques, especializado em lei laboral, da sociedade Dower Law Firm. Para o exemplo dado, a ferramenta da ACT faz tábua rasa das regras que se aplicam para o período dos vínculos até outubro de 2012 e "ainda não contempla o aumento da indemnização de 12 para 14 dias por ano, a partir de 1 de maio", aponta ainda a jurista da área laboral, Madalena Caldeira, advogada, da sociedade Abreu Advogados, em declarações.

Assim, no caso deste um trabalhador que iniciou funções a 22 de março de 1985, com um contrato por tempo indeterminado, tendo sido despedido por iniciativa do empregador a 1 de junho de 2023, recebendo um salário-base mensal de 1325,5 euros, a indemnização devida, calculada pelo simulador do ACT, foi cortada em mais de metade. Ainda que o simulador mencione que a informação disponibilizada não é vinculativa, o certo é que este tipo de erro pode efetivamente prejudicar um trabalhador, caso a entidade patronal decida usar os cálculos da ACT, que é a entidade responsável por fiscalizar o cumprimento do Código do Trabalho.

A questão é que a ferramenta excluiu algumas disposições da lei, lesando os trabalhadores com informação errada. Assim, "e recorrendo ao regime transitório, previsto na Lei n.º 69/2013, para os contratos celebrados antes de 1 de novembro de 2011, devem ser considerados alguns critérios e limites", alertam Eduardo Castro Marques e Filipa Gonçalves. Em relação ao período de duração do contrato, até 31 de outubro de 2012, "o montante da compensação corresponde a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, o que dá 27,61 anos vezes 1325,50 euros, perfazendo os tais 36 597,05 euros", explicam.

Uma vez que o montante calculado é superior a 12 vezes a retribuição base mensal do trabalhador (15 906 euros), não são considerados os períodos subsequentes de duração do contrato. Ou seja, a indemnização fica congelada nos 36 597,05 euros, sendo este o montante a que o trabalhador tem direito a receber, não se contabilizando assim toda a sua antiguidade, detalham os advogados.

Mas não são estas as regras que o simulador da ACT esteve a usar, pelo menos durante a semana em que esteve disponível online. "A ferramenta apenas considera o regime atualmente previsto no n.º 2 do artigo 366.º do Código do Trabalho, de onde resultaria que a compensação devida ao trabalhador estaria sujeita ao limite de 12 vezes a sua retribuição base mensal, fixando-se no valor total de 15 906 euros", sublinham os dois juristas. "Repare-se que, se assim fosse, este trabalhador receberia, pela cessação do seu contrato, em 2023, um montante de compensação inferior àquele que receberia se o contrato cessasse a 31 de outubro de 2012", alertam.

"O cálculo dos valores das compensações devidas em caso de despedimento (coletivo ou por extinção de posto de trabalho) de trabalhadores com maior antiguidade obedece a um conjunto de critérios e limites específicos, não podendo aplicar-se imediatamente o regime vertido no atual artigo 366.º do Código do Trabalho, como, pelo menos para algumas situações, faz, de forma errada, o simulador disponibilizado pela ACT", concluem os especialistas em legislação laboral.

Também foi detetada outra falha nas contas sobre a compensação obrigatória do trabalhador pelo número mínimo de horas anuais de formação profissional não dadas pelas empresas. Neste caso, a ACT apresentava valores superiores aos que estão plasmados na lei, segundo Eduardo Castro Marques e Filipa Gonçalves.

A legislação laboral prevê que o trabalhador tem direito ao montante correspondente às horas de formação profissional que não tenham sido ministradas nos últimos cinco anos, explicam os juristas. Só que "o simulador não considera, porém, que só a partir de 1 de outubro de 2019 passou o trabalhador a vencer 40 horas de formação anual, sendo que, até então, tinha direito a 35 horas de formação", constatam. "Veja-se o exemplo de um contrato celebrado a 1 de janeiro de 2019 e que cessa a 31 de julho de 2023, não tendo sido prestada qualquer formação profissional ao trabalhador.

Segundo o simulador da ACT, o trabalhador tem direito a um total de 200 horas de formação profissional, correspondentes a 40 horas vezes cinco anos", exemplificam. E concluem que, considerando que só a partir de 1 de outubro de 2019 teve direito a 40 horas anuais de formação, o trabalhador deveria, na realidade, receber o correspondente a 196,25 horas não dadas, ou seja, menos 3,75 euros. "Isto tem levado ao protesto de alguns trabalhadores junto das entidades patronais, porque pensam, olhando para o simulador da ACT, que têm direito a uma compensação superior", critica Eduardo Castro Marques.

Salomé Pinto é jornalista do Dinheiro Vivo