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Criação de um regime excecional[íssimo] no âmbito da ação de contencioso pré-contratual com vista a acelerar a execução do PRR
Insight
19 dez 2024

Criação de um regime excecional[íssimo] no âmbito da ação de contencioso pré-contratual com vista a acelerar a execução do PRR

Criação de um regime excecional[íssimo] no âmbito da ação de contencioso pré-contratual com vista a acelerar a execução do PRR

Nos termos conjugados do n.º 3 do artigo 95.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º, ambos do Código dos Contratos Públicos e do n.º 1 do artigo 103.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA), as ações de contencioso pré-contratual relativas, grosso modo, a procedimentos pré-contratuais com publicação no Jornal Oficial da União Europeia (JOUE), e intentadas no prazo de 10 dias úteis a contar da notificação do ato procedimental impugnado desencadeiam um efeito suspensivo automático que impede a entidade (pública) adjudicante de, dependendo do ato impugnado e do momento da impugnação efetuada, dar continuidade ao procedimento, celebrar o contrato e/ou executar o contrato, na pendência do trânsito em julgado de uma decisão do Tribunal quanto à legalidade ou ilegalidade do ato impugnado.

Não obstante, nos termos do n.º 2 do artigo 103.º-A do CPTA, quer a entidade adjudicante, quer um eventual contrainteressado, podem requerer o levantamento do referido efeito suspensivo. Seguir-se-á uma pronúncia por parte do autor que impugnou o ato procedimental, no prazo de 5 dias, ao abrigo do n.º 3 do mesmo normativo. Então decidirá o Tribunal acerca do incidente de levantamento do efeito suspensivo, levantando-o ou mantendo-o mediante um juízo de ponderação entre os interesses públicos e privados em presença, conforme impõe o n.º 4 do artigo 103.º-A do CPTA.

Todavia, a recente alteração legislativa operada pela Lei n.º 43/2024, de 2 de dezembro à Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, que aprova medidas especiais de contratação pública, consagrou um regime excecional de levantamento (chamemos-lhe «provisório») do efeito suspensivo automático no caso de o contrato a celebrar no âmbito do procedimento ser financiado ou cofinanciado por fundos europeus.

É de notar que a ação de contencioso pré-contratual tem natureza urgente, sendo por isso excecional em face das ações administrativas não urgentes. E dentro da referida ação, excecional é também o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático.

Pois bem, com o objetivo de acelerar a execução dos fundos maioritariamente adstritos ao Plano de Recuperação e Resiliência (PPR), o legislador veio consagrar um novo regime excecional no âmago da tipologia de ação administrativa de contencioso pré-contratual, através do (novo) artigo 25.º-A da Lei n.º 30/2021, de 21 de maio.

Este regime excecional –verdadeiramente excecionalíssimo, em face do acabado de expor -, entrou em vigor no dia 16 de dezembro de 2024 (cfr. n.º 2 do artigo 5.º do Lei n.º 43/2024, de 2 de dezembro).

Mas, afinal, o que nos diz o artigo 25.º-A da Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, sob a epígrafe «Regime excecional da ação administrativa urgente de contencioso pré-contratual»?

Caso o contrato a celebrar no âmbito do procedimento ao qual pertence o ato procedimental impugnado na ação de contencioso pré-contratual seja financiado ou cofinanciado por fundos europeus, poderá a entidade pública requerer o levantamento «provisório» do efeito suspensivo automático, para o efeito bastando a junção de prova sumária de que há risco de perda do financiamento com a manutenção do efeito suspensivo automático no decurso do processo judicial, para que o Tribunal levante, “provisoriamente”, no prazo de 48 horas, o efeito suspensivo, permitindo à entidade pública dar continuidade ao procedimento, celebrar e/ou executar o contrato.

E esta decisão do Tribunal é tomada sem pronúncia prévia do autor que impugnou o ato procedimental, o qual apenas se poderá pronunciar posteriormente ao levantamento «provisório» do efeito suspensivo, pugnando aí por uma decisão do Tribunal que volte a colocar em vigor o efeito suspensivo.

Seguir-se-á a notificação da entidade pública demandada para alargar os fundamentos do seu pedido de levantamento do efeito suspensivo e o Tribunal voltará a decidir acerca do incidente, agora em termos definitivos, um «tanto ou pouco» semelhantes ao n.º 4 do artigo 103.º-A do CPTA, ou seja, com apelo a uma ponderação entre os interesses públicos e privados alegados e provados pelas partes. 

Aplicando-se este regime excecional[líssimo] também aos processos judicias pendentes, a verdade é que se revela uma incógnita a forma como os Tribunais aplicarão este regime em tais casos. Por exemplo, o que acontecerá aos incidentes de levantamento do efeito suspensivo requeridos e/ou até já decididos ao abrigo do artigo 103.º-A do CPTA, nos quais já tenha existido alegação e prova de factos que importariam, mutatis mutandis, para o novo regime consagrado no designado artigo 25.º-A?

A aplicação dependerá naturalmente de uma análise casuística de cada um dos casos concretos, onde, a nosso ver, deverá ter preponderância o dever de gestão processual do juiz (artigo 7.º do CPTA), de forma a evitar atos processualmente inúteis, sem nunca esquecer aqueles que são, por um lado, os princípios da igualdade das partes, da cooperação e boa-fé processuais (artigos 6.º e 8.º do CPTA) e, por outro, os direitos dos interessados ou concorrentes que impugnaram as decisões da Administração Pública, enquanto administrados.