O setor das apostas desportivas online, regulamentado pelo Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online (RJO), tem assumido uma relevância crescente em Portugal, acompanhando uma tendência global de digitalização do jogo.
Este mercado, na sua essência, reflete um delicado equilíbrio entre a transparência e a incerteza, a competição e a regulação, o risco e a proteção do consumidor. A integridade desportiva surge como um pilar fundamental, mas encontra-se constantemente desafiada pela dinâmica de um setor onde a inovação tecnológica corre mais rápido do que a legislação.
Enquadramento Legal
A regulamentação do jogo online em Portugal assentou na Lei de Autorização n.º 73/2014, de 2 de setembro, que conferiu ao Governo competência legislativa para estabelecer um regime jurídico abrangente para a exploração de jogos e apostas online. O RJO veio clarificar os requisitos e obrigações aplicáveis aos operadores, garantindo uma exploração regulada e sujeita a licenciamento pelo Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ). Para as sociedades comerciais que pretendam operar neste setor, o cumprimento das exigências normativas é essencial para garantir a sua permanência no mercado e evitar sanções administrativas, tais como a suspensão ou revogação da licença de exploração, coimas significativas e interdição de atividade. Por exemplo, a ausência de um sistema eficaz de prevenção do branqueamento de capitais pode resultar em penalizações graves impostas SRIJ, comprometendo a viabilidade do operador.
O RJO tem os seguintes objetivos fundamentais:
O Financiamento da Atividade Desportiva
Nos termos da legislação vigente, uma percentagem significativa das receitas líquidas provenientes das apostas desportivas é destinada ao financiamento de federações desportivas, clubes e outras entidades do setor. A Portaria n.º 314/2015, de 30 de setembro, estabelece que:
Este modelo de financiamento tem permitido apoiar o desenvolvimento do desporto em diversas vertentes, desde a formação de jovens atletas até à modernização de infraestruturas desportivas. A ligação entre apostas desportivas e financiamento do desporto apresenta-se como um dos principais argumentos para a manutenção de um sistema de regulação rigoroso, que garanta a redistribuição equitativa das receitas.
Licenciamento e Regulação
A exploração de apostas desportivas à cota, ou seja, as apostas em que os jogadores tentam prever o resultado de eventos desportivos com odds previamente fixadas pelos operadores, depende da obtenção de uma licença atribuída pelo SRIJ.
Nos termos do artigo 17.º do RJO, os operadores devem preencher requisitos rigorosos de idoneidade, capacidade económica e técnica.
Além disso, as apostas só podem incidir sobre competições e eventos constantes da lista aprovada pelo SRIJ, visando prevenir práticas ilícitas como a manipulação de resultados (match-fixing). Este tipo de controlo tem-se mostrado fundamental para a integridade das competições desportivas, permitindo que haja um acompanhamento detalhado dos mercados de apostas e a deteção de padrões anómalos que possam indicar fraude.
Apostas Ilegais e Match-Fixing
O fenómeno das apostas ilegais continua a ser um problema de grande magnitude, afetando não só a economia e o mercado regulamentado, mas também expondo os jogadores a riscos financeiros e de segurança. Os operadores ilegais, sem qualquer supervisão ou controlo, oferecem produtos atrativos e muitas vezes recorrem a práticas agressivas de marketing digital, incluindo a utilização de influenciadores para promover as suas plataformas. Estes influenciadores, frequentemente sem conhecimento adequado das implicações legais e éticas, promovem as apostas como uma forma fácil e rápida de obter lucro, aliciando sobretudo um público jovem e menos informado.
Além disso, os operadores ilegais funcionam fora do alcance das autoridades reguladoras, o que lhes permite manipular odds, dificultar levantamentos e explorar os jogadores sem qualquer mecanismo de recurso legal. A ausência de medidas de proteção ao consumidor torna este problema ainda mais grave, uma vez que os jogadores não têm garantias quanto à equidade das apostas ou à segurança dos seus dados pessoais.
Estudos internacionais indicam que cerca de 80% das apostas desportivas a nível global ocorrem em mercados não regulados. Em Portugal, o combate às plataformas ilícitas tem sido uma prioridade do SRIJ, que implementa bloqueios de sites e colabora com organismos internacionais na repressão destas práticas.
O combate ao match-fixing tem sido uma prioridade do legislador desportivo, como o comprova a Lei n.º 14/2024, de 19 de janeiro que veio estabelecer o regime jurídico da integridade do desporto e do combate aos comportamentos antidesportivos, onde o legislador procedeu, essencialmente, à tipificação de novos crimes e agravamento da moldura penal de outros (relacionados com este tema), à criação de entidades para assegurar o combate à manipulação de resultados desportivos e ao alargamento dos agentes sujeitos à restrição de certas atividades.
Conclusão
As apostas desportivas online em Portugal têm vindo a consolidar-se como um setor regulamentado, mas continuam a enfrentar desafios significativos. Para as sociedades comerciais, a conformidade com a regulamentação, a adoção de práticas de jogo responsável e o investimento em segurança tecnológica são fatores críticos para a sua sustentabilidade.