Chegou ao fim o debate de dois anos sobre a Agenda de Trabalho Digno. Depois das sucessivas propostas de alteração, e de muitos avanços e recuos, foi aprovado o texto final do diploma que procede a uma significativa revisão da legislação laboral.
É esta a 23.ª alteração ao Código do Trabalho.
Conheça algumas das principais alterações, previstas para entrar em vigor já no início de abril de 2023:
1. Parentalidade | Conciliação do trabalho e vida familiar
- Possibilidade de, após o gozo de 120 dias consecutivos de licença, os pro-genitores cumularem, em cada dia, o gozo da licença parental com trabalho a tempo parcial, alargando a duração máxima da licença.
- Obrigatório o gozo, pela trabalhadora mãe, de 42 dias consecutivos de li-cença a seguir ao parto [até então: 6 semanas].
- Obrigatório o gozo, pelo pai, de uma licença parental de 28 dias [até então: 20 dias úteis], seguidos ou em períodos interpolados de no mínimo 7 dias, nos 42 dias seguintes ao nascimento da criança. Sete desses dias têm de ser gozados, de modo consecutivo, imediatamente a seguir ao nascimento.
- Em caso de internamento hospitalar da criança durante o período após o parto, a licença exclusiva do pai suspende-se, a pedido deste, pelo tempo de duração do internamento.
- Após o gozo da licença prevista no ponto 3, o pai tem ainda direito a sete dias de licença [até então: 5 dias úteis], seguidos ou interpolados, des-de que gozados em simultâneo com o gozo da licença parental inicial por parte da mãe.
- Acesso, em situações de adoção de menor de 15 anos, à licença exclusiva do pai.
- Dispensa de trabalho para cumprimento de obrigações e procedimentos no âmbito dos processos de adoção e acolhimento familiar.
- Alargamento da necessidade de consentimento expresso do trabalhador para aplicação dos regimes de banco de horas grupal e adaptabilidade grupal aos trabalhadores com filhos com deficiência ou doença crónica e aos trabalhadores com filhos entre os 3 e os 6 anos, desde que comprovada a impossibilidade de o outro progenitor prestar assistência.
2. Faltas ao trabalho
- Previsão da falta por luto gestacional, até 3 dias consecutivos, nos casos em que não exista lugar à licença por interrupção da gravidez, como falta justifi-cada, que não determina a perda de quaisquer direitos e é considerada como prestação efetiva de trabalho.
- Falta por motivo de falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens alargada até 20 dias consecutivos.
- Faltas por motivo de doença: a prova da situação de doença pode ser fei-ta por declaração do serviço digital do Serviço Nacional de Saúde, emitida na sequência de autodeclaração de doença, sob compromisso de honra. Aplicável apenas quando a situação de doença do trabalhador não exceda os três dias consecutivos. Só pode ser utilizado duas vezes por ano.
- Empregador não pode opor-se ao pedido do trabalhador no sentido de sub-stituir, nos termos permitidos, a perda de retribuição por motivo de faltas.
3. Contratos de trabalho a termo ´
- Norma da proibição da sucessão de contratos a termo alargada à admissão de novos trabalhadores na mesma atividade profissional [e não apenas para o mesmo objeto ou posto de trabalho].
- Obrigação de comunicação à CITE do motivo da caducidade de contrato de trabalho quando em causa esteja trabalhador cuidador.
- Aumento do valor da compensação devida em caso de comunicação da caducidade: caducidade de contrato de trabalho a termo certo ou incerto, a compensação passa a corresponder a 24 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.
4. Contrato de trabalho com estudante em período de férias ou interrupção letiva
- Regras específicas para a contratação de estudante em período de férias es-colares ou interrupção letiva: não está sujeito a forma escrita; não depende
- da condição de trabalhador-estudante.
- A celebração de contrato de trabalho a termo resolutivo e de contrato de trabalho temporário está sujeita aos requisitos de admissibilidade respeti-vamente previstos.
5. Contratação de trabalhadores
- Reforço do dever de informação do empregador: passa a exigir-se a prestação de informação adicional quanto a aspetos como: método de pag-amento da retribuição, incluindo a discriminação dos seus elementos constitutivos; formação contínua; período experimental; regime aplicável em caso de trabalho suplementar e de organização por turnos, entre outros.
- Redução do prazo para comunicação, ao trabalhador, de tais informações.
- Criminalização da falta de comunicação à segurança social da admissão de trabalhadores no período de seis meses subsequentes ao termo do prazo legalmente previsto: pena de prisão até três anos (pessoas singulares) ou multa até 360 dias.
6. Despedimento coletivo e por extinção de posto de trabalho
- Aumento do valor da compensação devida em caso de despedimento cole-tivo e por extinção de posto de trabalho: passa a corresponder a 14 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade [até então, por regra, 12 dias].
7. Denúncia pelo trabalhador
- Trabalhador a quem tenha sido reconhecido o estatuto de vítima de violência doméstica, nos termos de legislação específica, dispensado do cumprimento do aviso prévio previsto para a denúncia do contrato de trabalho.
8. Renúncia a créditos laborais
- Passa a prever-se que os créditos do trabalhador, emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, não são suscetíveis de extinção por meio de remissão abdicativa, salvo através de transação judicial.
9. Período experimental
- Clarifica-se o período experimental de 180 dias, quando aplicável, é reduzido ou excluído consoante a duração de anterior contrato de trabalho a termo, celebrado com empregador diferente, tenha sido igual ou superior a 90 dias.
- Redução do período experimental consoante a duração de estágio profis-sional com avaliação positiva, para a mesma atividade e empregador diferente, tenha sido igual ou superior a 90 dias, nos últimos 12 meses.
- Denúncia do contrato pelo empregador durante o período experimental que tenha durado mais de 120 dias passa a depender de aviso prévio de 30 dias [até então: 15 dias].
- Obrigação de comunicação à CITE da denúncia durante o período experi-mental quando em causa esteja trabalhador cuidador.
- Obrigação de comunicar à ACT, num prazo de 15 dias, a denúncia de contrato durante o período experimental relativamente aos trabalhadores à procura de primeiro emprego e desempregados de longa duração abrangi-dos pelo período experimental de 180 dias.
- Clarificação de que é ilícita a denúncia durante o período experimental que constitua abuso de direito, a apreciar, nos termos gerais, pelos tribunais, aplicando-se-lhe os efeitos do despedimento ilícito.
10. Teletrabalho
- Trabalhadores com filho com deficiência, doença crónica ou doença oncológica passam a ser abrangidos pelo direito ao regime de teletrabalho (sem necessidade de consentimento da entidade empregadora).
- Possibilidade de fixação do valor da compensação devida ao trabalhador pelas despesas adicionais. A compensação é considerada, para efeitos fiscais, custo para o empregador e não constitui rendimento do trabalhador até ao limite do valor a definir por portaria.
11. Trabalho suplementar
- Aumento da retribuição do trabalho suplementar que exceda as 100 horas anuais. Passa a ser pago com acréscimo de 50 % pela primeira hora e 75 %pelas horas subsequentes, em dia útil; e com acréscimo de 100 % em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado. Sem pre-juízo do previsto em IRCT.
12. Trabalho temporário
- Alteração do limite para a renovação dos contratos de trabalho temporário: passa a ser de 4 renovações [até então 6 renovações].
- A proibição da sucessão de contratos (atingida a duração máxima de con-trato de utilização de trabalho temporário) passa a aplicar-se também quando em causa esteja a mesma atividade profissional (e não apenas o mesmo posto de trabalho) e passa a abranger o contrato de prestação de serviços para o mesmo objeto ou atividade.
- Limite de 4 anos para a duração de contratos de trabalho temporário sucessivos em diferentes utilizadores. Ao fim de 4 anos de cedências tem-porárias pela Empresa de Trabalho Temporário ou outra do mesmo grupo, o contrato converte-se em contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária.
13. Combate ao falso trabalho independente
- Esclarece-se que a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho pode ser aplicada às situações em que o prestador de serviço atua enquanto empresário em nome individual.
- Proibição da contratação de serviços de outsourcing, durante 12 meses, para satisfação de necessidades asseguradas por trabalhadores cujo posto de trabalho tenha sido abrangido por despedimento coletivo e extinção do posto de trabalho.
14. Contratação coletiva
- Vantagens no acesso a apoios ou financiamentos públicos para as empresas outorgantes de convenção coletiva recentemente celebrada e/ou revista.
15. Serviço doméstico
- Período normal de trabalho do trabalhador de serviço doméstico passa a ficar sujeito ao limite de 40 horas semanais [até então: 44 horas].
16. Cuidadores informais
- Direito a faltar até 15 dias por ano para prestar assistência inadiável e im-prescindível alargado aos cuidadores informais não principais, em caso de doença ou acidente da pessoa cuidada.
- Licença anual de 5 dias úteis (que devem ser gozados de modo consecutivo) atribuída a trabalhador cuidador para assistência à pessoa cuidada.
- Direito do trabalhador cuidador a trabalhar a tempo parcial, de modo consecutivo ou interpolado, pelo período máximo de quatro anos.
- Direito do trabalhador cuidador a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, de forma seguida ou interpolada, enquanto se verificar a necessidade de assistência.
- Necessário parecer prévio da CITE nos casos de despedimento de trabalhador cuidador.
- Despedimento por facto imputável a trabalhador cuidador presume-se feito sem justa causa.
- Trabalhador cuidador dispensado de prestar trabalho suplementar enquanto se verificar a necessidade de assistência.
17. Estágios profissionais extracurriculares (sem comparticipação pública)
- Valor do subsídio mensal de estágio não pode ser inferior a 80% da retribuição mínima mensal garantida [até então: sujeito ao valor mínimo da IAS].
- É obrigatória a contratação de um seguro de acidentes de trabalho para o estagiário.
18. Trabalho nas plataformas digitais
- Presunção da existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital, se verifiquem determinadas características.
- Nos casos em que se considere a existência de contrato de trabalho, aplicam-se as normas previstas no Código do Trabalho que sejam compatíveis com a natureza da atividade desempenhada, nomeadamente o disposto em matéria de acidentes de trabalho, cessação do contrato, proibição do despedimento sem justa causa, remuneração mínima, férias, limites do período normal de trabalho, igualdade e não discriminação.