PT
Protestar é um direito. Até onde se pode ir?
Press
|
in JN
01 May 2022

Protestar é um direito. Até onde se pode ir?

Protestar é um direito. Até onde se pode ir?

Ocupar escolas em nome do ativismo climático, mostrar o rabo em protesto, acampar no Largo do Carmo em luta contra o Ministério da Educação. Nos últimos tempos não faltam exemplos. A manifestação é um direito previsto na Constituição da República Portuguesa. Mas há alguns limites.

A nossa Constituição é clara

O artigo 45.º da Constituição Portuguesa prevê o direito à reunião e à manifestação. E o que é que isto quer dizer? Significa que os cidadãos têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, mesmo em lugares abertos ao público, sem necessidade de qualquer autorização. A todos os cidadãos – todos mesmo, incluindo menores de idade – é reconhecido o direito de manifestação. Mas, e atenção que este é um mas importante, apesar de a nossa Constituição não definir limites ao direito à manifestação, o decreto-lei n.º 406/74, de 29 de agosto de 1974 – e que ainda hoje está em vigor – regulamenta este direito, ou seja, define as regras para o exercer. Assim, a lei tem que ser cumprida. E nesse caso, há alguns limites.

O que diz a lei e quais os limites

O advogado Pedro Neves de Sousa ajuda-nos a entender. “Este decreto-lei diz que não é necessária autorização, mas é obrigatória uma comunicação.” Simplificando, sempre que há um protesto, os organizadores têm que o comunicar por escrito às Câmaras dos locais onde essa manifestação vai acontecer. É um simples aviso, que indica local, hora, objeto da manifestação, trajeto caso seja um desfile, “com dois dias úteis de antecedência”. Caso a Autarquia não aponte nada contra pode-se avançar.

Então quando é que não é possível fazer uma manifestação? “As câmaras podem proibir quando o objetivo da reunião ou manifestação é contrário à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou coletivas e à ordem e à tranquilidade públicas”. Por exemplo, quando a manifestação vai além da meia-noite e meia (embora haja exceções, se acontecer em recinto fechado, salas de espetáculo ou edifícios sem moradores), as câmaras podem impedir, porque a lei define restrições nos horários, para não colocar em causa a ordem pública.

E as autoridades?

A atuação das autoridades policiais é muitas vezes matéria de debate. E a lei também é clara. As autoridades que impeçam o livre exercício de reunião, que não respeitem o direito à manifestação, “podem ficar sujeitas a procedimentos disciplinares”, como explica o advogado Pedro Neves de Sousa.

Mas o contrário também está previsto: os manifestantes que não cumprirem o que está previsto na lei podem incorrer em crime de desobediência. É o que acontece quando nas manifestações há agressões ou se partem montras, isso é ilegal e aí a Polícia deve intervir. Vamos a um exemplo recente. No início do mês, a manifestação “Casa para Viver”, pelo direito à habitação, terminou em confrontos em Lisboa entre polícias e manifestantes. A Polícia alega ter sido cercada e atacada. Os manifestantes queixam-se que as autoridades reagiram de forma violenta e desproporcional. A lei prevê sanções para as intervenções policiais ilegítimas, assim como para as intervenções ilegais por manifestantes. E pode sempre avançar-se para tribunal.

Mostrar o rabo e ocupações

Há dias, ativistas pelo clima mostraram o rabo ao primeiro-ministro na sessão de abertura das comemorações dos 50 anos do Partido Socialista, na sede do partido, em Lisboa. Neste caso, e estando em propriedade privada, foram levados pelos seguranças. Não significa, segundo o advogado, que não haja direito à manifestação, mas, estando em propriedade privada, os manifestantes podem naturalmente ser expulsos.

Outra das manifestações célebres dos jovens ativistas climáticos no nosso país foi a ocupação pacífica de escolas e universidades no ano passado, durante dias, para exigir o fim dos combustíveis fósseis. Quatro ativistas que ocupavam a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa foram detidos, depois de terem sido retirados à força. Foram julgados e condenados por desobediência e introdução em local vedado ao público a uma multa de 60 dias, de cinco euros por dia, num total de 295 euros. Aqui, o advogado Pedro Neves de Sousa aponta para a lei: “Não é permitida a ocupação abusiva de edifícios públicos ou privados”. Mas isso não trava os ativistas, que prometem continuar na mesma senda de protestos este ano.

Acampamentos e manifestações sem fim

O país tem vivido manifestações sem fim nos últimos tempos. Para lá dos desfiles típicos, com cartazes e megafones, os acampamentos também têm ganhado força. É o caso do acampamento de mais de 200 professores no Largo do Carmo, em Lisboa, que ainda está a decorrer. E podem fazê-lo? “Podem, se comunicarem à Câmara e a Câmara não se opuser. Trata-se de uma reunião programada – deverá manter-se até 1 de maio, segundo anunciaram os docentes -, com um determinado objetivo de luta.”