O teletrabalho tem ocupado, nos últimos tempos, um lugar de especial destaque nas agendas nacional e europeia.
De um regime residual no nosso ordenamento jurídico ao triunfo como um dos mais importantes aliados das empresas durante a pandemia, parece-nos, hoje, seguro afirmar que o teletrabalho veio para ficar. Com maior ou menor expressão do que seria expectável ou desejado, veio para ficar.
A adoção massiva (durante a pandemia) desta forma de prestar trabalho evidenciou aquelas que são, inegavelmente, as suas potenciais vantagens, mas também os limites e riscos que lhe estão associados.
A emergência de uma nova realidade acabou, assim, por despoletar a necessidade de revisitar um tema que estava, até então, em estado de letargia.
O regime do teletrabalho foi, no início do ano de 2022, sujeito a significativas alterações legislativas, que decorreram, precisamente, da necessidade de colmatar muitas das fragilidades que ficaram, desde então, a descoberto.
O legislador procurou, nesse momento, esclarecer uma das questões que mais inquietou trabalhadores e empregadores: quem pagava, afinal, as despesas adicionais decorrentes da prestação de trabalho em casa?
Através da alteração legislativa em causa, previu-se, expressamente, que as despesas adicionais decorrentes da prestação de teletrabalho seriam obrigatoriamente pagas pela entidade empregadora.
A genérica e complexa definição dos termos em que seriam apuradas tais despesas redundou, porém, numa (muito) escassa aplicação prática do regime.
Para que melhor se perceba, o Código do Trabalho prevê, desde janeiro de 2022:
Face à parca (leia-se, insuficiente) concretização levada a cabo pelo legislador, foram muitas as dúvidas que se colocaram em torno do pagamento da compensação das despesas do teletrabalho, e que permaneceram, durante meses, por esclarecer.
Afinal, de que modo poderiam ser comprovadas as despesas pelo trabalhador? De que forma poderiam ser quantificadas? Qual o critério a observar em situações específicas? Por exemplo, quando existe partilha de casa com outras pessoas que, estando, de igual modo, em teletrabalho, incorrem também em despesas adicionais de energia e de internet?
Deparadas com estas e outras questões, várias foram as empresas que optaram por não avançar com a compensação de quaisquer despesas, que, as mais das vezes, não foram também solicitadas pelos trabalhadores. Outras, procurando afastar a complexidade do regime legal, acabaram por avançar com o pagamento de um plafond pré-definido. Solução esta que, não se deixe de alertar, comporta riscos, face aos termos em que o regime está (ainda) consagrado na lei.
Depois de meses de agitação e discussão sobre o tema, o Parlamento veio, na semana passada, aprovar, na especialidade, uma proposta de alteração ao regime da compensação das despesas no teletrabalho. Assim confirmando que era, de facto, emergente a necessidade de clarificação legislativa sobre esta matéria.
O que dizer desta proposta? Teremos, agora, um regime apto a funcionar na prática?
Com esta última alteração, prevista para entrar em vigor em 2023, passa a prever-se que, em primeira linha, o contrato individual de trabalho e o contrato coletivo de trabalho devem fixar, na celebração do acordo para prestação de teletrabalho, o valor da compensação devida ao trabalhador pelas despesas adicionais.
Ou seja, a primeira opção será a de, por acordo, definir um valor a pagar ao trabalhador, com vista a assegurar a compensação de tais despesas.
No caso de não existir acordo entre as partes, prevê a lei que serão pagas as despesas adicionais (comprovadas) correspondentes à aquisição de bens e ou serviços de que o trabalhador não dispunha antes da celebração do acordo de teletrabalho, assim como as determinadas por comparação com as despesas homólogas do trabalhador no último mês de trabalho em regime presencial.
Aqui chegados, não podemos deixar de questionar: que critérios devem ser considerados na fixação do valor a acordar entre empregador e trabalhador? De que forma deve ser equacionada a periodicidade do regime? E o tipo de atividade em causa? Que limites devem ser observados?
A lei continua a abrir um flanco para a existência de dúvidas na interpretação e aplicação de um regime que se pretendia esclarecido. Parece-nos que se desperdiçou uma oportunidade para chegar ao destino final: o de regular com clareza e segurança jurídica o regime em causa. Deu-se um passo na direção desejada. Mas não se percorreu o caminho por completo.
Há duas premissas que temos, no entanto, por certas. Por um lado, existe uma finalidade última associada ao pagamento do valor em causa que não pode ser ignorada. Por outro, estamos perante aquilo que a lei define, para efeitos fiscais, como um custo para empregador, que não constitui rendimento do trabalhador.
Com estes termos, competirá, por agora, ao universo empresarial montar a equação.
Que é o mesmo que dizer que, sem descurar o cumprimento das diretrizes previstas na lei, se reveste de especial importância que as empresas planeiem e operacionalizem, motu proprio, em que termos implementarão, no dia a dia, um regime de despesas e pagamentos associados ao teletrabalho.
A regulamentação interna, nomeadamente através da criação de regulamentos de teletrabalho, assumirá, neste cenário, um papel de crucial e indiscutível relevância.