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Decisões tomadas, formalizações adiadas
Press
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in Observador
06 Jan 2024

Decisões tomadas, formalizações adiadas

Decisões tomadas, formalizações adiadas

O PR optou por anunciar todas as decisões que tomará no futuro, apesar de não as concretizar no imediato. Esta atuação, apesar de não violar as normas constitucionais, põe em causa a sua essência.

Nas recentes semanas, assistimos ao fim de um ciclo político, precipitado pelas investigações trazidas a público, envolvendo membros do Governo e o próprio Primeiro-Ministro (PM). Perante tais dados, e na sequência de um comunicado por parte da Procuradoria-Geral da República (PGR) que confirmava estar em curso uma investigação contra o Chefe do Executivo, António Costa apresentou a sua demissão ao Presidente da República, no passado dia 7 de Novembro, por considerar que “a dignidade das funções de primeiro-ministro não é compatível com qualquer suspeição sobre a sua integridade, a sua boa conduta ou a suspeita da prática de qualquer ato criminal”. Marcelo Rebelo de Sousa fez saber que aceitara esta demissão e, dois dias depois, comunica a sua intenção de dissolver a Assembleia da República.

Como se explica a demora na conclusão deste processo de demissão do Governo? O que justifica que, semanas depois desta cadeia de eventos, Governo e Assembleia da República se mantivessem em plenitude de funções?

Desde logo, a apresentação da demissão do Primeiro-Ministro ao Presidente da República resulta, quando aceite por este, na demissão do Governo, nos termos do art.º 197 da Constituição da República Portuguesa (CRP). Desta feita, Marcelo Rebelo de Sousa comunicou que aceitou a demissão do Primeiro-Ministro, embora não a formalizando. Porquê? O fundamento para a não formalização imediata da aceitação da demissão do primeiro-ministro centrou-se na intenção de se permitir a conclusão do processo legislativo do Orçamento de Estado para 2024, evitando, assim, um regime de duodécimos com a prorrogação da vigência do Orçamento de Estado (OE) de 2023.

Desta forma, o Presidente da República formalizou apenas esta aceitação da demissão no passado dia 7 de dezembro, depois da aprovação garantida, e concretizada, do OE 2024.

Muito se tem discutido esta opção de Marcelo Rebelo de Sousa e da possibilidade de adiar esta formalização da demissão do Governo, até mesmo depois de anunciada. Partilho, aqui, da opinião de que a formalização da aceitação da demissão do Primeiro-Ministro deve ocorrer com a maior brevidade possível, depois do anúncio da sua aceitação.

 O que acontece de seguida? O Governo deixa de estar em plenitude de funções, passando a assumir-se como um Governo de Gestão. Nos termos da CRP, o Governo está limitado “à prática dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos”.

Quanto a este ponto, António Costa deverá permanecer no cargo, apesar de estar demissionário. A Constituição é taxativa quando estabelece que o PM demissionário cessa funções, e é exonerado, na “data da nomeação e posse do novo Primeiro-Ministro.” Assim, deverá manter-se no cargo, podendo, no limite, incorrer na prática do crime de abandono de funções.

Por outro lado, a anunciada dissolução da Assembleia da República. Consiste, de facto, num poder estruturante do Presidente da República, nos termos do art.º 133. A Constituição estabelece um conjunto de pressupostos, designadamente a audição dos partidos com representação parlamentar e do Conselho de Estado, bem como limites temporais para esta prerrogativa. (O Presidente da República não pode dissolver a AR nos seis meses posteriores à eleição desta, nem no último semestre do seu mandato).

Para além destes limites temporais, a CRP estabelece um prazo de 60 dias, mediante o qual, após a dissolução da Assembleia da República, devem ter lugar as novas eleições. Ou seja, no ato de dissolução, deve o Presidente da República estabelecer a nova data de eleições.

Neste caso, uma vez mais, Marcelo Rebelo de Sousa optou por um adiamento da formalização desta decisão de dissolução da Assembleia da República. De forma a permitir aos partidos políticos uma eventual reorganização e eleições internas, o Presidente protelou o momento da publicação do decreto de dissolução da Assembleia. Tendo já anunciado a data das eleições (10 de março 2024), levando a uma verdadeira inversão da essência das previsões constitucionais, a formalização desta dissolução apenas terá lugar a 15 de janeiro, segundo anunciado, precisamente para respeitar os prazos exigidos constitucionalmente.

Deste modo, o Presidente da República optou por anunciar todas as decisões que tomará no futuro, apesar de não as concretizar no imediato, adiando no tempo a sua formalização. Esta atuação levanta, necessariamente, dúvidas quanto ao respeito da Constituição. Apesar de não violar concretamente as normas constitucionais, põe em causa a sua essência e permite, legitimamente, críticas, como as que têm vindo a público, que acusam o Presidente de defraudar a Lei Fundamental.

O interesse público e os fundamentos invocados para estes adiamentos e prolações são legítimos. No entanto, os decursos destes longos períodos não podem ser percecionados como facilmente admissíveis.